Guilherme Balza
Do UOL, em São Paulo
A dissidente cubana
Yoani Sanchéz afirmou, durante debate realizado nesta quinta-feira (21) na sede
do jornal "O Estado de S. Paulo", na capital paulista, que o Brasil
prefere o silêncio quando o assunto é a situação dos direitos humanos em Cuba.
"Me parece que o governo do
Brasil prefere o silêncio [sobre a situação dos direitos humanos em
Cuba]", afirmou a autora do blog "Generación Y". "Não sou
uma diplomata, talvez uma diplomata popular, mas recomendo que o Brasil tenha
um posicionamento mais enérgico.
"Durante o governo Lula e Dilma,
se estabeleceram muitos vínculos entre Cuba e Brasil, principalmente
econômicos", disse Yoani. "É muito bom que o Brasil ajude Cuba. Cuba
não é governo ou partido, somos todos nós. No entanto, acho que falta dureza,
ou franqueza, do governo brasileiro na hora de exigir direitos humanos na
ilha"
A ativista cubana disse ainda que o regime cubano não é socialista, e
sim o que nomeou de "capitalismo de Estado". "Cuba está vivendo
um capitalismo de Estado, um capitalismo de um clã, onde o chefe não é alguém
rico ou burguês, é o governo."
Questionada sobre a estrutura de
saúde e educação de Cuba, cujos índices estão entre os melhores do mundo, a
dissidente sustentou que a queda do Muro de Berlim, em 1989, que resultou no
fim da União Soviética, em 1991, o sistema de saúde e educação cubano,
que recebia investimentos soviéticos, entrou em colapso.
"A partir daí o sistema entrou
em colapso material. Hoje vemos um êxodo dos profissionais desses
setores", afirmou a blogueira, que se definiu ideologicamente como uma
"pós-moderna" crítica ao comunismo.
Blogueira diz que embargo americano não resulta em rebeldia, e sim na
imigração
Sanchéz voltou a falar sobre o embargo
econômico que os Estados Unidos impõem a Cuba. "Há uma teoria, uma
metáfora, que o embargo é uma caldeira. O fogo seria a precariedade econômica,
material, que levaria as pessoas à rua. Mas o embargo não resulta em rebeldia,
e sim na imigração dos cubanos", afirmou.
"Sou contra o embargo, em
primeiro lugar, por sua ineficácia, e em segundo, que ele vira um grande
argumento para tudo. Tudo é culpa do império. Queria ver como vai funcionar
nosso governo sem esse embargo", acrescentou a dissidente.
Questionada sobre as razões pelas
quais os cubanos não se mobilizam contra o governo, a blogueira elegeu como
razões o "doutrinamento" ao qual, segundo ela, os cubanos são
submetidos desde criança; ao "medo da repressão"; e a opção dos
insatisfeitos em resolver sua situação individual, em vez de se organizarem
coletivamente.
Yoani afirma, entretanto, que a
oposição em Cuba está começando a ganhar força dentro de Cuba porque se formou
rede de informações entre opositores que usam as redes sociais para divulgar
suas ideias.
Dissidente nega ser financiada pela oposição internacional ao regime de
Cuba e se diz "mochileira"
A blogueira negou que sua
"turnê" por 12 países, iniciada pelo Brasil, esteja sendo sustentada
com recursos de organizações internacionais contrárias ao regime cubano. Ela
afirmou que está bancando a viagem com dinheiro próprio, além do auxílio de
amigos e instituições que a convidaram para visitar seus países.
"Nesses seis anos acumulei
indicações institucionais e amigos que me convidaram a vir para cá fazer
conferências", disse. "Sou mochileira. Conto com a solidariedade das
pessoas. Se me oferecem uma cama, um prato, uma palavra, já ajuda."
"Quando se fala em regular os
meios [de comunicação], há que ter muito cuidado porque existe uma linha tênue
entre chamar a responsabilidade dos meios e censurá-los. É preciso ser muito
cuidadoso. Acredito que a regulação de meios deve ocorrer por meio de leis, da
legalidade e não de governos porque cada governo tem seus interesses",
disse a blogueira sobre a regulação da mídia.
Após uma breve apresentação, Sanchéz
passou a responder perguntas enviadas pela plateia. Em uma delas, o autor
questionou sobre as consequências que um eventual fim do governo de Hugo Chávez
na Venezuela para o sistema energético cubano, atualmente sustentado por meio
fornecimento subsidiado de petróleo pela Venezuela.
Para a blogueira, o fornecimento de
petróleo, apesar de garantir o funcionamento do sistema energético cubano,
provoca o prolongamento de um modelo "falido" e as incertezas quanto
ao futuro da Venezuela possam levar o governo cubano a buscar um diálogo com os
Estados Unidos para acabar com o bloqueio econômico imposto por Washington à
ilha.
"A saída de Chávez de cena
pressiona os governantes cubanos. Talvez por isso, tenho notado, uma certa
tentativa de diálogo com os Estados Unidos", avaliou.
Histórico de protestos
Desde que chegou ao Brasil, Yoani tem presenciado diversos protestos
contra a sua presença no país. A dissidente foi alvo de protestos nos
aeroportos do Recife e de Salvador.
Yoani desembarcou em Salvador na segunda-feira e seguiu para Feira de Santana (BA) na terça-feira para
dar uma palestra e assistir a um documentário. Sobre os protestos, Yoani, no
início, disse que as manifestações eram um "um banho de democracia".
Ontem, no entanto, ela mudou de tom e comparou os manifestantes a terroristas.
"Os gritos, os insultos, foi como se tivessem sido orquestrados por
terroristas. Eu sou uma pessoa pacífica, e trabalho com o verbo, com a fala,
não tinha porquê tanta agressividade."
As manifestações chegaram a impedir uma das exibições do documentário.
Ontem, no Plenário do Senado, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) fez uma
defesa veemente da liberdade de expressão e da cubana.
Está é a primeira viagem internacional de Yoani após cerca de 20
tentativas malsucedidas de sair de Cuba nos últimos cinco anos.
No último domingo, Yoani iniciou uma série de viagens
por dez países, começando pelo Brasil. No total, a ativista ficará fora de Cuba
por 80 dias.
Durante anos, Yoani foi impedida de sair da ilha, onde é acusada de
trair os princípios revolucionários do governo dos irmãos Castro, Fidel e Raúl.
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