Dias Toffoli: razões mais do que suficientes para se declarar impedido -- ou para que o procurador-geral peça isso aos demais ministros do Supremo (Foto: Antonio Cruz / ABr)
Aproxima-se o começo do julgamento do mensalão – nesta quinta-feira – e está tudo pronto no Supremo Tribunal Federal: o ministro relator, Joaquim Barbosa, tem pronto seu relatório, o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, aprontou suas considerações, os demais ministros já estudaram o colossal processo de milhares de páginas e mais de 700 testemunhas ouvidas suficientemente para poderem expedir seu voto.
Só falta resolver uma questão importante: o ministro Dias Toffoli vai se declarar impedido de participar do julgamento?
Não é questão pequena, não, amigos, como sabem. O ministro foi assessor jurídico do PT – partido cuja direção à época dos fatos está metaforicamente no banco dos reus. E isso durante quinze anos! Foi também assessor na Casa Civil de um dos réus, José Dirceu, e sócio de um escritório de advocacia que defendeu três mensaleiros. Mais: sua própria companheira, a advogada Roberta Rangel, foi, ela própria, advogada de dois dos acusados.
Nem vou me deter no fato de que Toffoli também exerceu o cargo de advogado-geral da União no governo do chefe de Dirceu – o então presidente Lula – e que foi este que o designou para o Supremo, porque esses fatores, por si, não desqualificam um magistrado de um tribunal superior para atuar numa causa em que estão envolvidos ex-integrantes e ex-apoiadores do governo.
Mas, e o resto? Assessor do PT, assessor do “chefe da quadrilha” do mensalão (segundo o procurador-geral da República, José Dirceu), ex-sócio de um escritório de advocacia contratado por mensaleiros, companheiro de uma advogada que defendeu mensaleiros.
Será que é preciso algo mais do que esse tipo de vínculos para que um juiz se declare impedido de atuar numa causa?
Sempre atilada, a jornalista Dora Kramer já fez a pesquisa legal que se torna importante para abordar esse assunto. “ Segundo os códigos de Processo Civil e Penal”, escreveu ela, “a diferença básica entre os dois conceitos é que a suspeição tem caráter subjetivo e o impedimento é de natureza objetiva.
“São as seguintes as situações previstas para impedimento:
“1. Quando cônjuge ou parente do juiz até o terceiro grau tiver atuado na causa em questão como defensor ou advogado, representante do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito.
“2. Quando o próprio juiz tiver atuado em qualquer uma das funções citadas acima ou funcionado como testemunha.
“3. Quando tiver sido juiz em outra instância e se pronunciado, nos autos ou fora deles, sobre a questão.
“4. Quando o magistrado, cônjuge ou parente em até terceiro grau for parte interessada.
“Já a suspeição pode ser declarada pelo julgador ou arguida pelas partes envolvidas, nos seguintes casos:
“1. Se o juiz for amigo íntimo ou inimigo “capital” de qualquer dos interessados.
“2. Se ele, o cônjuge ou parente, responder a processo por fato semelhante, “sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia”.
“3. Se o juiz, cônjuge ou parente, estiver envolvido em demandas judiciais a serem julgadas pelas partes.
“4. Se tiver aconselhado qualquer das partes.
“5. Se delas for credor, devedor, tutor ou curador.
“6. Se for sócio, administrador ou acionista de sociedade interessada no processo.”
Basta ler a relação de itens levantados por Dora para constatar que o ministro se enquadraria em mais de um deles.
Isso, porém, não é tudo.
Em reportagem de Rodrigo Rangel publicada por VEJA esta semana, e já mencionada pelo colega Reinaldo Azevedo, aparecem evidencias ainda mais claras do conflito de interesses que ocorrerá se o ministro decidir participar do julgamento – e sua suspeição não for argüida pelo procurador-geral da República perante os demais ministros.
Diz a reportagem de VEJA, a certa altura:
“O ministro atuou diretamente como advogado do principal réu do mensalão, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, como mostra a procuração acima [a revista traz reprodução do documento]. Na ocasião [refere-se ao ano 2000] Dirceu era deputado, e Toffoli foi encarregado por ele de mover uma ação popular contra a privatização do Banespa. A procuração concedia poderes legais a Dias Toffoli e a seu ex-sócio, o também advogado Luís Maximiliano Telesca Mota, para atuar no processo em nome de Dirceu. Por uma dessas reviravoltas da vida, José Dirceu hoje é réu, Luís Maximiliano é um dos advogados de defesa no mensalão, e Toffoli um dos responsáveis pelo julgamento que interessa a ambos.”
Roberta Rangel: a companheira do ministro já defendeu dois dos réus do mensalão: Paulo Rocha e Professor Luizinho (Foto: STF)
Outro trecho da reportagem de VEJA:
“Até ser indicado para o STF, em 2009, Toffoli mantinha um escritório em sociedade com sua atual companheira, Roberta Rangel. Nesse período, a advogada foi contratada por três mensaleiros. Defendeu José Dirceu numa ação em que ele tentou barrar no Supremo a cassação de seu mandato. E. no próprio processo do mensalão, defendeu os ex-deputados petistas Paulo Rocha e Professor Luizinho, acusados de receber o dinheiro sujo do esquema.
“Ou seja, o ministro Dias Toffoli, caso não se considere suspeito, vai julgar o processo que já teve sua atual companheira como advogada dos réus, no período em que ele mesmo, Toffoli, era sócio dela no escritório. “A imparcialidade do julgamento passa necessariamente pela definição do ministro em relação a sua participação”, avalia Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.
“Por lei, juízes de quaisquer instâncias são impedidos de julgar uma causa quando forem parentes ou cônjuges de advogados de alguma das partes. Nesse caso, o impedimento é imperativo. Dias Toffoli argumenta que é apenas namorado de Roberta Rangel — muito embora, nas cerimônias oficiais do próprio Supremo, a advogada desfile solenemente pelos espaços reservados aos cônjuges dos ministros.
"Há, ainda, o outro dispositivo legal, o da suspeição, capaz de orientar o ministro em sua decisão de participar ou não do julgamento. Diz a lei que o juiz é suspeito quando tiver amigo íntimo entre os envolvidos no processo, quando alguma das partes for sua credora ou devedora, quando “receber dádivas” dos envolvidos antes ou depois de iniciada a causa ou mesmo quando tiver interesse no julgamento em favor de algum dos lados.
“Diz o jurista Luiz Flávio Gomes: “O juridicamente correto, o moralmente correto e o eticamente correto seria ele se afastar”.
Se Toffoli não o fizer, “o juridicamente correto, o moralmente correto e o eticamente correto” seria o procurador-geral da República arguir sua suspeição (terminologia jurídica para o caso).
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