Marina Silva já sinalizou que pretende se lançar em um "novo movimento político-social para pensar novas alternativas políticas"
A ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva deve anunciar em ato público em São Paulo, nesta quinta-feira (7), sua saída do Partido Verde (PV). A decisão acontece nove meses após o primeiro turno da eleição para a Presidência da República, quando Marina saiu politicamente fortalecida ante seus cerca de 20 milhões de votos, e já em meio aos acordos partidários que antecedem a sucessão municipal de 2012.
Em Berlim --onde a ex-senadora ministrou esta semana palestra sobre desenvolvimento sustentável, a convite da Fundação Heinrich Boll, e também onde participou de congresso organizado pelo PV alemão--, Marina evitou falar taxativamente sobre sua saída do partido. Porém, sinalizou que pretende se lançar em um “novo movimento político-social para pensar novas alternativas políticas”.
Lideranças do PV e pessoas próximas à senadora, ouvidas pela reportagem do UOL Notícias, garantiram que a saída é irrevogável --com pouca ou nenhuma chance de ingresso em outra legenda.
Há semanas a desfiliação é cogitada, em meio a desgastes internos que se arrastam pelo menos desde março com a cúpula do PV. Em março, reportagem da Folha de S.Paulo antecipava a disposição da ex-senadora em deixar o PV após o presidente do partido, o deputado federal José Luiz Penna (SP), ter liderado uma manobra na Executiva Nacional para prorrogar o próprio mandato.
A reportagem tentou ouvir Penna sobre a saída de Marina, mas a assessoria de imprensa da legenda informou que ele se manifestaria, “talvez”, apenas após o anúncio da colega na capital paulista.
Para Gabeira, saída prejudica “luta ecológica”
Fundador do partido em 1985, o ex-deputado federal Fernando Gabeira (RJ) deu como certa a perda de Marina dos quadros do PV e lamentou a situação. Gabeira, entretanto, afirmou que está tentando convencer a ex-ministra a se manter no PV, uma vez que sua saída “não é boa nem para ela, nem para o partido”.
“Vou fazer todo o possível para que consigamos ainda soluções que evitem o desgaste de uma saída dessas para que a luta ecológica não fique prejudicada. Se ela sair mesmo, poderemos marcar uma convenção do partido na qual se comprometa a realizar o que estava prometido --aí até vejo chances de ela voltar”, disse.
Por outro lado, Gabeira demonstrou compreender as razões da colega. “Entendo, pela maneira como ela explicou, que não está satisfeita --mudanças que haviam sido combinadas não ocorreram”, citou, para completar: “Mas acredito que rever tudo é possível; o programa [partidário] tem que ser revisto. Um ponto, por exemplo, é tentar criar executivas estaduais eleitas, e não nomeadas --estou nesta situação de tentar achar uma saída, e não botar fogo na fogueira. Quero construir pontos, e não fortalecer cisões”, definiu.
Analistas comentam
Analistas políticos consultados pela reportagem no Rio e em São Paulo acreditam que a saída de Marina do PV é consequência de mudanças na legenda não apenas após o pleito de 2010, mas também nos últimos anos. Para os especialistas, a forma como Marina atuará será decisiva para os resultados da sucessão presidencial em 2014.
Para o cientista político Carlos Melo, do Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa, Marina não conseguiria se viabilizar hoje “em partido algum”. “Porque as estruturas partidárias estão todas viciadas: os partidos têm donos, têm projetos pessoais e grupos articulados com outros interesses e compromissos --e por mais sucesso que um ‘forasteiro’ tenha, esse caciquismo está presente em todos."
Melo acredita que o mais adequado, após a saída do PV, seria que a ex-senadora e os defensores de suas propostas formassem uma organização própria que abraçasse outras causas sociais, e não apenas a ambiental. A partir dessa base, defende, a participação no pleito municipal do ano que vem seria base importante para a disputa de 2014.
“Infelizmente, a meu ver, a Marina deixou de manifestar o novo --e talvez os 20 milhões de votos que ela recebeu expressassem algo novo em meio a essas estruturas viciadas. E esse 'novo' precisa de novo surgir. Nesse momento é importante ela e seus companheiros se expressarem por meio de uma ONG, de toda a rede social que ela montou e que minguou muito da eleição para cá. E seria de bom grado que pudesse organizar minimamente um partido e disputasse, com uma agenda nova, uma grande capital brasileira --o Rio seria a cara dela, ou até mesmo São Paulo”, classificou Melo.
O professor de Ciência Política da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Jairo Nicolau afirma que o PV nacional, que buscou inspiração no PV europeu, encontrou realidade divergente no Brasil “porque aos poucos foi perdendo as pessoas que abraçavam a agenda original do PV”. Para o analista, a legenda se tornou “um partido tradicional; perdeu o charme”.
“Nesse contexto, a Marina acabou ficando em uma sinuca de bico. Como liderança civil, ela deveria fortalecer sua atuação na sociedade em torno do debate dos grandes temas e só então, depois das eleições do ano que vem --pois não haveria tempo hábil para criar uma sigla agora--, pensar um partido próprio”, afirmou Nicolau. “Ela não deveria ficar orientada pela recandidatura. Sua contribuição é muito maior como liderança civil, descolada de um certo oportunismo eventual."
Biografia
A estreia de Marina em uma disputa eleitoral foi em 1986, ainda filiada ao PT, quando tentou uma cadeira na Câmara dos Deputados. Como o partido não atingira o quociente eleitoral mínimo, não foi eleita, apesar de expressiva votação. Dois anos depois, foi eleita a vereadora mais votada de Rio Branco (AC).
A eleição como deputada estadual veio em 1990, e, aos 36 anos, em 1994, se elegeu a senadora mais jovem da história do país. Reelegeu-se em 2002 e no ano seguinte, em janeiro, assumiu o Ministério do Meio Ambiente na nova equipe do então recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Marina deixou o ministério em maio de 2008 alegando, em carta endereçada a Lula, que a decisão estava atrelada a dificuldades “para dar prosseguimento à agenda ambiental federal”. Em agosto do ano seguinte, se desfiliou do PT e, 11 dias depois, anunciou o ingresso no PV. Foi pela sigla que concorreu ano passado à Presidência, ao lado do empresário Guilherme Leal, seu vice.
Nascida em uma pequena comunidade do Acre chamada Breu Velho em 8 de fevereiro de 1958, filha de pais nordestinos, Marina deixou a região dos seringais para trabalhar como empregada doméstica e estudar na capital do Estado. Lá, se formou em História. Mas foi pelo contato com o líder seringueiro Chico Mendes que acabou abraçando a vertente social. Seguiu essa linha por meio do envolvimento com a Teologia da Libertação e com as comunidades eclesiais de base, mas também pelo auxílio na fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no Acre.
Janaina Garcia
Do UOL Notícias Em São Paulo
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