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domingo, 8 de janeiro de 2012

Bairros de classe média abrigam cracolândias privês.

Folha.com
AFONSO BENITES
DE SÃO PAULO

Traficantes alugam apartamentos e casas na Vila Mariana, Paraíso e Bela Vista para receber viciados.


Rafael Andrade/Folhapress
Cachimbos de crack
Cachimbos de crack

Em um espaço do tamanho de uma perua Kombi, seis homens dividem três cachimbos de crack feitos com antenas de TV e latinhas de alumínio.

Cinco deles estão sentados no chão. São iluminados por um lampião que contrasta com a janela de vidros escurecidos. O outro está em pé. Observa a cena ao lado da porta. Ali, não há móveis, tapetes, tampouco cortinas.

Passa das 16h de uma sexta-feira nublada em São Paulo. O ambiente descrito acima poderia ser em uma rua da cracolândia, na região central da cidade, mas não é.

Trata-se do interior de um apartamento de classe média na Bela Vista, a poucas quadras de um dos mais famosos corredores gastronômicos da metrópole, a rua Avanhandava. Lá, usuários de crack alugam a sala, o quarto e a cozinha com um único propósito: fumar a droga.

Com três celulares no bolso, um senhor cabisbaixo, aparentando ter 60 anos, era o responsável pela venda das pedras e também pelo aluguel do imóvel. Preço: R$ 10 (a pedra), mais R$ 10 pelo espaço usado para o consumo.

Antes mesmo da operação da Polícia Militar, que cercou a cracolândia na semana passada, a Folha percorreu, nos últimos seis meses, bairros como Vila Mariana, Bixiga, Paraíso, Penha e Bela Vista.

Nesses locais, a reportagem encontrou casas e apartamentos onde funciona um esquema até então desconhecido das autoridades, as cracolândias privês.

Dentro do apartamento da Bela Vista, o cheiro, uma mistura de tabaco, fumaça, óleo de lampião queimado e suor, é forte. Dois jovens estão alucinados. Acabaram de fumar a terceira pedra do dia. Entreolham-se e parecem apavorados, sem motivo aparente.

Um acaba de dar seu primeiro trago. Os outros três observam. Eles fumam cigarros. Esperam a vez para terem a sensação que tanto aguardaram após uma manhã inteira de trabalho em uma loja de informática ali perto.

As cracolândias privês são extremamente lucrativas e seguras para o criminoso. Ele ganha duas vezes: na venda da droga e na locação da área.

Para o usuário, a maioria homens de classes baixa e média, com idades entre 18 e 35 anos, de diferentes profissões, é algo discretíssimo.

Nesses ambientes, ele consegue fugir dos olhares de reprovação de moradores e também do controle policial.

Para entrar nesse submundo, é preciso ser apresentado por algum conhecido do traficante. Deve-se seguir a principal exigência do local, só consumir a droga vendida ali.

"Fique esperto, aqui não entra pedra [de crack] de outro lugar", alerta o traficante.

LUZ DE LAMPIÃO

A Folha visitou cinco imóveis, entre casas e apartamentos. Em dois deles, a reportagem entrou acompanhada de um usuário, em tratamento, que conheceu na cracolândia enquanto apurava outra história. Ele só aceitou apresentar o repórter às cracolândias privês porque diz estar indignado com a quantidade de jovens viciados na cidade.

À primeira vista, por fora, não é possível perceber que em qualquer um desses cinco lugares haja venda e consumo de drogas lá dentro.

Os apartamentos, na Bela Vista e no Bixiga, são iluminados por lampiões. Possuem pequenas brechas nas janelas, para não intoxicar quem está trancado lá. As portas permanecem quase o tempo inteiro fechadas.

Para ter acesso a eles, é preciso subir dois lances de escadas. Na sequência, deve-se comprar a "pê" (pedra de crack) vendida na própria escadaria e pedir que o vendedor autorize a entrada -vale registrar que o repórter não comprou a droga.

Já as casas, ou estavam abandonadas e foram invadidas ou haviam sido alugadas pelos traficantes por preços baixíssimos por conta de seu mau estado de conservação.

Elas estão na Vila Mariana, Paraíso e Penha. Os muros têm mais de três metros de altura. Os portões não têm brechas, o que impossibilita que alguém, do lado de fora, observe o que acontece ali.

A casa da Vila Mariana não é imunda como os cortiços fechados pela operação da polícia no centro paulistano.

A morada é simples. Fica em uma rua bem arborizada, próxima de um posto de gasolina, rodeada por prédios residenciais. Dentro dela, poucos móveis. Uma mesa e duas cadeiras na sala, onde ficam o "patrão" ou seu subordinado. Ao todo, são 11 cômodos improvisados, transformados em quartos, coletivos ou individuais. São divididos por finas paredes de madeira compensada.

Há dois tipos de cracolândia privê. Nos apartamentos, o usuário compra a pedra com o traficante e a consome em um dos cômodos.

Na outra, vive no lugar, chamado "mocó". Pode tomar banho, comer, dormir. O valor varia conforme a forma de pagamento. Adiantado em dinheiro, R$ 210. Se for pagar no fim do mês, R$ 300.

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