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domingo, 3 de julho de 2011

Leia a reportagem da Revista Veja: O mensalão do PR.

Por enquanto, Alfredo Nascimento continua na pasta, sob intervenção.


 
A presidente Dilma Rousseff diz que o Ministério dos Transportes está sem controle, que as obras estão com os preços inflados e anuncia uma intervenção na pasta comandada pelo PR – que cobra 4% de propina das empresas prestadoras de serviços

No último dia 24, a pre­sidente Dilma Rous­seff se reuniu com in­tegrantes da cúpula do Ministério dos Trans­portes no Palácio do Planalto. Ao lado das ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Miriam Bel­chior (Planejamento), ela passou nos subordinados um daqueles pitos que parecem ecoar pela Praça dos Três Po­deres, em Brasília, e alimentam a sua fama de durona.

Dilma reclamou dos aumentos sucessivos dos custos das obras em rodovias e ferrovias, criticou o descontrole nos aditivos realizados em contratos firmados com empreitei­ras e mandou suspender o início de no­vos projetos. A presidente cobrou ex­plicações sobre a explosão dos valores dos empreendimentos vinculados ao Programa de Aceleração do Cresci­mento (PAC). Com planilhas e docu­mentos sobre a mesa, Dilma elevou o tom: “O Ministério dos Transportes es­tá descontrolado”. Depois, manusean­do os papéis, sentenciou: “Vocês são inadministráveis e estão inviabilizando o meu governo”. Para sustentar a repri­menda, a presidente explicou o motivo da ira: preços “insuflados” - ou, na linguagem coloquial da burocracia brasiliense, superfaturados.

Dilma Rousseff chamou de “abusi­va” a elevação do orçamento de obras em ferrovias, que passou de 11,9 bi­lhões de reais, em março de 2010, para 16,4 bilhões neste mês - salto de 38% em pouco mais de um ano. Mostrou es­pecial irritação com o fato de a Valec - a estatal que cuida da malha ferrovi­ária - ter aumentado em 828 milhões de reais um trecho de ferrovia cujo custo havia sido estimado apenas seis me­ses antes.

A presidente disparou tam­bém contra o Departamento Nacional de Infraestrumra de Transportes (Dnit), responsável pelas rodovias. Perguntou e não obteve resposta, por exemplo, so­bre por que uma parte da BR-116, entre Eldorado do Sul e Pelotas, no Rio Grande do Sul, estava es­timada em 1 bilhão de reais. Depois de pontuar o varejo, ela concluiu a ofensiva no ataca­do, desautorizando o Ministé­rio dos Transportes a ampliar em 10 bilhões de reais os cus­tos de suas obras inscritas no PAC. Além das ministras anfi­triãs, estavam na reunião o secre­tário executivo do ministério, Pau­lo Sérgio Passos, o diretor-geral do Dnit, Luiz Antonio Pagot, e o diretor de engenharia da Valec, Luiz Carlos Oli­veira Machado.

Foram quatro horas tensas em que a presideme falou muito mais do que ou­viu. Ela repassou uma a uma as obras sob responsabilidade do ministério, co­brando explicações sobre cada cifra mais alentada. Os subalternos da pasta ouviram as admoestações em silêncio. Convocado para o encontro, o ministro Alfredo Nascimento não compareceu porque, segundo ele, tinha “compro­missos pessoais intransferíveis”. O mesmo motivo foi o álibi do chefe da Valec, José Francisco das Neves, o Ju­quinha, em viagem à Alemanha. A au­sência do número 1 e de seu importante auxiliar no ministério pode ter sido mesmo motivada por circunstâncias inarredáveis, mas isso não altera o fato de que Dilma não nutre admiração pe­los dois gestores ausentes. Herdou am­bos do governo Lula e suporta-os como um passivo politico. Ela não faz ques­tão de tratar diretamente com eles. “Vocês ficam insuflando o valor das obras. Não há orçamento fiscal que re­sista aos aumentos propostos pelo Ministério dos Transpones. Eu teria de dobrar a carga tributária do país para dar conta”, disse Dilma quando a reunião caminhava para o fim. Ela deu o diagnóstico: “Vocês precisam de babá. E terão três a partir de agora: a Miriam, a Gleisi e eu”. O Ministério dos Trans­portes passou recibo da reprimenda emitindo uma nota na qual justifica que a hiperinflação nas obras decorreu do aumento dos custos de serviços e dos preços de matérias-primas. Pode ser uma explicação, mas não é a única - e muito menos a principal delas.

Nas últimas semanas, VEJA conversou com parlamentares, assessores presidenciais, policiais e empresários, consultores e empreiteiros. Ouviu de­les a confirmação da existência de uma gestão paralela nada republicana em Brasília. A engrenagem é azeitada pelo PR, o Partido da República, que dá as cartas no Ministério dos Transportes. Por seus mecanismos e fins, o esquema do PR parece um clone do grande es­cândalo do governo Lula, o mensalão. No relato das pessoas ouvidas por VEJA, o PR cobra propina de seus for­necedores em troca de sucesso em lici­tações, dá garantia de superfaturamen­to de preços e fecha os olhos aos aditi­vos, alvo da ira da presidente na reu­nião do dia 24. A estrutura tem organo­grama, contabilidade e coletores pró­prios. Os empreiteiros pagam um “pedágio político” de 4% sobre o valor das faturas recebidas. A maior parte dos recursos é destinada aos cofres da dire­ção nacional do PR, agremiação co­mandada pelo ministro Alfredo Nasci­memo e pelo deputado Valdemar Costa Neto - respectivamente, presidente e presidente de honra do partido. O res­tante agracia parlamentares dos es­tados nos quais as obras são realizadas. A máquina já operava no governo Lula, quando não foi ca­paz, segundo parlamentares do próprio PR, de custear a maioria das campanhas do partido em 2010. No governo Dilma, sob a batuta de Valdemar Costa Ne­to, os negócios se encorparam e vão de vento em popa.

Administrador de empre­sas, Valdemar exerce o sexto mandato de deputado fede­ral e, na prática, é quem comanda o PR. Em 2005, foi obrigado a renunciar a uma cadeira na Câma­ra abatido pelo escân­dalo do mensalão. Es­capou da cassação, mas, dois anos mais tarde, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu pro­cesso contra ele por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. O processo apura suas responsabilidades no uso do nome do PL (hoje PR) para embol­sar cerca de 11 milhões de reais dos cofres do notório Marcos Valério em troca do apoio da legenda ao govemo Lula. O processo ainda não foi julga­do, e o parlamentar - reeleito em 2006 e 2010 - continua a atuar com desenvoltura. É ele quem decide as in­dicações para cargos do Ministério dos Transportes. No universo paralelo, é também quem escolhe as empresas com direito a executar os projetos e as obras. Valdemar despacha no próprio ministério.

No último dia 4 de maio, ele se reu­niu à tarde com representantes de quin­ze empresas de consultoria na sala do diretor-geral do Dnit, Luiz Antonio Pagot. O deputado, por não ter cargo, não tinha razões sadias para estar ali. Mas ele nem se deu ao trabalho de explicar sua presença na reunião, que foi feita com o objetivo de discutir obras em 12000 quilômetros de rodovias fede­rais, negócio estimado entre 6 bilhões e 7 bilhões de reais. Os membros do PR alertaram os presentes de que as obras só sairiam do papel se as consultorias “aperfeiçoassem” os projetos, adequando as propostas às exigências do Tribunal de Contas da União (TCU). Depois do alerta protocolar, porém, Antonio Pa­got fez uma preleção. O apadrinhado do senador Blairo Maggi disse que es­tava em jogo não apenas uma questão técnica, mas uma missão partidária. O PR teria de deixar como legado de sua passagem pelo ministério uma efetiva e perceptível melhoria no estado de conservação das rodovias brasileiras. Tudo perfeito, então? Sim, até que se desça das aparências para a sombria realidade dos negócios. “”Eles exigem 5% das consultorias. Quem não paga está fora do ministério”, contou a VEJA um dos participantes da reunião. O porcentual - 5% - é 1 ponto maior do que o pe­dido às empreiteiras. Cinco outros con­sultores confirmaram a VEJA o paga­mento de propina aos políticos do PR. Entre as atribuições de uma empresa de consultoria, está desenhar o projeto de uma rodovia ou de uma ferrovia - seja construção, restauração ou manuten­ção. Os parâmetros do projeto são deci­sivos para a definição dos preços e in­fluem até mesmo na escollla das em­preiteiras que executarão a obra, já que umas se adéquam mais a determinados requisitos do que outras.

Para ter o controle absoluto do pro­cesso, o PR atua - e cobra - nas duas pon­tas. O Partido da República “acerta” os deta­lhes técnicos com as consultorias e, depois, mantém uma parceria informal com a Asso­ciação Nacional das Empresas de Obras Ro­doviárias (Aneor). Às vésperas do lançamento de uma licitação, em­preiteiros se reúnem na sede da entidade em Brasília e dividem entre si lotes da obra em questão. Investigações da Polícia Federal já flagraram essa arma­ção, responsável pela majoração dos preços dos empreendimentos. “Quem combina tudo, do preço à empresa que vai ganhar, é a direção da Aneor com o Valdemar. Nas reuniões, não se pode entrar nem de telefone celular. Todos levam alguma coi­sa, mas quem discordar perde tu­do”, contou um empreiteiro. O presidente da Aneor, o empresá­rio José Alberto Ribeiro, negou que haja combinação de preço como forma de burlar a livre concor­rência. Ele diz que sua intervenção é feita no sentido de impedir que sejam efetuadas propostas a preços irreais: “Mostramos aos associados que, se de­rem um desconto acima do justificável, não conseguirão fazer a obra e, se fize­rem, será de má qualidade”. Ribeiro admite serem frequentes as reuniões com parlamentares, assim como a in­fluência de Valdemar Costa Neto no Ministério dos Transportes. “No modelo brasileiro, cada ministério pertence a um partido. O Valdemar é o mais influente. Temos de conversar com ele. Antes, a gente “acer­tava” direto com o parlamen­tar que trabalhava pela obra. Agora, o dinheiro é entregue a um funcionário do ministério”, relata um empreiteiro.

Na semana passada, a Aneor mar­cou uma dessas reuniões para “enca­minhar” a licitação de uma obra na BR-280, em Santa Cararina, uma empreiteira orçada em 900 milhões de reais. A concorrência formal vai acontecer na próxima sexta-feira. Segundo um empreiteiro convidado, a entidade já havia decidido o preço e o nome da empresa que venceria a disputa por um dos lotes da obra.

Faltava escolher os parceiros para os outros dois trechos da rodovia. Se não houvess acordo, seria promovido um sorteio. A reunião, marcada para a sede da Associação Paranaense dos Empresários de Obras Públicas, em Curitiba, foi cancelada na última hora. Indagado sobre os motivos do cancelamento, Valdir da Costa Reis, diretor da Aneor, desconversou: “Reunião? Que reunião? Não estou sabendo de reunião nenhuma”. Se tudo o que foi combinado com relação às obras da BR-280 der certo, cada pagamento liberado aos “vencedores” da licitação sofrerá uma taxação de 4%. Os pagamentos ao PR são feitos a um emissário Valdemar e Alfredo Nascimento, o assessor do Ministério dos Transportes Luiz Tito Barbosa. “Um parlamentar da direção do PR me disse que ele ( Tito) agora é o caixa oficial. Não é mais para pagar nada diretamente a deputados ou senadores. Os envelopes seguem direto para ele”, diz um empreiteiro. Servidor de carreira, Tito tem como função oficial preparar dossiês sobre o andamento de obras que serão visitadas pelo ministro. Para cumprir a missão, reúne-se diariamente com parlamentares e empresários a fim de colher informações sobre o andamento dos projetos e da movimentação financeira relacionada a eles. Tito negou ser o arrecadador esquema: “Já aconteceu de empresários dizerem que estão dispostos a comprar facilidades aqui no ministério. Eu não aceito conversar. Não tenho controle do empenho dos recursos”. Quem tem controle dos tais empenhos e da efetiva liberação das verbas para as empresas é Mauro Barbo­sa, chefe de gabinete do ministro.

Eis mais um dos “inadministráveis” aos quais a presidente Dilma Rousseff se referiu. Mauro Barbosa sabe de cor e salteado quando e quanto cada empresa recebe dos cofres públicos. Ele é amigo e chefe de Tito. Trabalharam juntos no Dnit e na secretaria executiva dos Transportes. “O Mauro é o dono da chave do cofre, e o Luiz Tito o cara da mala”, explicou um empresário. Mauro Barbosa também é sobrinho de Juqui­nha, o presidente da Valec. Filiado ao PR, Juquinha tem Valdemar como um dos padrinhos. No dia a dia da estatal, ele dá mostras de obedecer diretamente ao deputado. Em 4 de agosto de 2010, o conselho de administração da Valec se reuniu em Brasília para seu encontro mensal. Entre os assuntos tratados esta­vam as obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste. Um dos conselheiros per­guntou quando seria finalizado o pro­cesso de contratação das empresas que trabalhariam na empreitada. Juquinha, conforme o relato de dois dos presen­tes, respondeu: “A escolha das empre­sas será feita em um jantar na casa do doutor Valdemar Costa Neto”.

VEJA procurou o presidente do conselho de administração da Valec, Miguel Ma­sella. Em dois contatos, ele se calou sobre a polêmica declaração de Juqui­nha durante a reunião do colegiado. In­tegrante da Comissão de Transportes da Câmara, o depurado Mauro Lopes (PMDB-MG) contou que, há uns dois anos, foi até Juquinha para apresentar as credenciais de uma empresa de consultoria interessada em participar de projetos da Valec. “Se o Valdemar auto­rizar, eu coloco para trabalhar”, ouviu como resposta.

No fim do ano passado, um grupo formado por empresários e parlamentares do próprio PR procurou um delegado da Polícia Federal para denunciar o esquema. Não existem san­tos nessa história. “O Valdemar se acha dono do PR. Quer tudo para ele”, criti­cou um parlamentar, pedindo anonima­to. Em nota, o ministério informou que Alfredo Nascimento “não foi alertado nem tomou conhecimento da prática de qualquer irregularidade na gestão dos contratos sob a responsabilidade de seus órgãos vinculados (o Dnit e a Va­lec). Caso haja denúncia, tomará as medidas cabíveis para a imediata e rigorosa apuração dos fatos e a efetiva responsabilização dos envolvidos”. O Dnit in­formou que não há influência de Valdemar nas decisões do órgão e que, na reunião com os consultores, ele apenas “cumprimentou rapidamente” os parti­cipantes - e foi embora. Valdemar não quis comentar.

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