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domingo, 3 de janeiro de 2010

Sem corrupção não há eleição!

Rubem Alves, filósofo, educador, teólogo.
Enquanto ouvia o depoimento do deputado Roberto Jefferson no “Roda Viva” lembrei-me das palavras que Santo Agostinho escreveu há mais de 1.500 anos: ““Que são as quadrilhas de ladrões senão pequenos reinos? Pois a quadrilha é formada por homens. É governada pela autoridade de um príncipe. É mantido coeso por um contrato social. E os produtos da roubalheira são divididos segundo leis aceitas por todos. Se, pela inércia dos homens fracos este mal cresce ao ponto de se apropriar de lugares, apossar-se de cidades e subjugar populações, ele passa a ter o nome de reino, porque agora ele realmente o é, não pela eliminação da cobiça, mas porque a ela foi acrescentada a impunidade.” De repente o foco da minha atenção mudou. Até aquele momento eu estava interessando em saber se o PT era corrupto, se o “mensalão” existia mesmo, se José Dirceu estava ou não envolvido, se o presidente Lula sabia e preferiu fazer de contas que não sabia. Estava curioso acerca dos nomes dos representantes que o povo democraticamente elegeu que se beneficiavam do dito mensalão. Pelo que sei o deputado Roberto Jefferson também não é flor que se cheire. Alguns tentam anular o seu depoimento desqualificando-o moralmente. Argumento não válido. Se assim fosse os testemunhos das prostitutas não seriam jamais tomados pela polícia. A verdade de uma afirmação não depende do caráter de quem a faz. Outros alegam que ele é louco. Pode até ser. Mas em certas ocasiões é prudente dar ouvidos aos loucos. São crises de loucura que fazem com que homens, enterrados na lama até os olhos, ponham de lado a prudência e comecem a dar nomes aos... gambás. (Seguindo o costume eu ia escrever “dar nomes aos bois”. Mas os bois, assim me parece, são ontologicamente honestos. Seria uma ofensa nomeá-los neste contexto). Perguntaram-lhe aonde queria chegar provocando esse tumulto nacional. Ele respondeu: “Eu não quero chegar. Eu já cheguei.” Estará agindo movido pelo desejo de vingança? É provável. Sansão, o herói bíblico de força gigantesca, o Rambo daqueles tempos, cujos olhos haviam sido furados pelos seus inimigos, derrubou a coluna central de um templo onde se encontravam centenas de pessoas, inimigos que celebravam uma vitória. O templo ruiu. Todos morreram. Inclusive ele. O escritor bíblico comenta, ao final: “Assim, com a sua morte, Sansão matou mais pessoas do que matara durante toda a sua vida.” Será que é isso que o deputado Roberto Jefferson está fazendo? Derrubou as colunas do templo da democracia, o Congresso Nacional? Não sei. Estou aposentado como psicanalista. Não tenho o menor interesse em investigar suas motivações. Mas enquanto ele falava dizendo nomes, indicando lugares e datas, uma outra coisa foi se delineando na minha cabeça. Vou usar de uma analogia para me tornar claro. Imagine que você nunca ouviu falar do jogo de xadrez. Aí você vê dois senhores gravemente assentados diante de um tabuleiro numa praça, mexendo umas peças, cada uma de um jeito. Você se aproxima e começa a prestar atenção. Você percebe que há peças que se movimentam para a frente, outras que escorrem episcopalmente pelas diagonais, peças que saltam como se fossem cavalos, uma outra que pode fazer quase tudo o que quiser e assim por diante. Mas o conhecimento do tabuleiro e do movimento das peças não o ensinam a jogar o jogo. Para jogar o jogo é preciso saber as suas regras. Mas as regras não se encontram em lugar algum. Elas são invisíveis. Foi o que aconteceu na minha cabeça. De repente, ao ouvir o depoimento do deputado Roberto Jefferson, acordei da minha estupidez. Vi as regras do jogo dos partidos. Todos os partidos jogam com as mesmas regras. A diferença está apenas no estilo. Como no jogo de xadrez: todos os jogadores jogam com as mesmas regras; o que os distingue e faz com que uns ganhem e outros percam, é o estilo. O que me horrorizou não foi a corrupção desse ou daquele. Corrupções individuais estão previstas na lei e se curam por atos punitivos. E nem foi a suposta corrupção do PT através do “mensalão”. O que me horrorizou foi perceber com uma clareza que eu não tinha antes que o jogo inteiro é construído pelo acordo tácito entre todos os que dele participam acerca da corrupção. Sem corrupção não há eleição! Sem corrupção o jogo político, tal como é jogado, entra em colapso. Assim, a corrupção não é uma doença do jogo político. A corrupção é a essência do jogo político. Doença seria o seu contrário, a honestidade, a integridade. O senador Eduardo Suplicy, por exemplo, é uma doença nas regras do jogo porque ele é, essencialmente, incapaz da corrupção. Santo Agostinho já tinha escrito sobre isso há 1.500 anos! Eu o havia lido quando jovem mas, na minha ingenuidade, não prestei atenção. No nosso caso o que está em jogo não são as pequenas ou grandes roubalheiras. Isso existe em todos os regimes de direita e de esquerda. O que está em jogo é a Grande Corrupção, que equivale à subversão dos ideais da democracia. Estamos de volta às leis das quadrilhas de ladrões. As regras desse jogo são simples. Primeira regra: objetivo supremo do jogo político é a tomada do poder, da mesma forma como a essência do jogo econômico é o lucro. Ser político é lutar pelo poder. Segunda regra: uma vez tomado o poder o objetivo do jogo político é permanecer no poder. O político eleito já no dia da posse começa a planejar a sua re-eleição. Terceira regra, enunciada por Maquiavel: para se atingir o poder e permanecer nele o que importa não é a honestidade mas o parecer ser honesto. A transparência é inimigo mortal do jogo do poder, da mesma forma como é mortal na guerra, continuação da política por meio das armas. O que é necessário é que o povo acredite nos políticos que pedem o seu voto. Porque a tomada e a permanência no poder só se conseguem através das ilusões do povo. Se o povo não tiver ilusões sobre o jogo político ele se recusará a jogá-lo. O povo vota num candidato na esperança de que ele lutará pelo bem comum. Sobre o bem comum falam os políticos em época de eleição. Quarta regra: para continuar no poder é preciso dispor de recursos financeiros para a campanha de reeleição que se seguirá. Daí a necessidade de alianças com as empresas que farão as doações. Mas, como é bem sabido, no sistema capitalista ninguém dá dinheiro a troco de nada. É dar para receber. Quinta regra: enquanto o jogo real da política acontece nos bastidores, longe dos olhos do eleitores, no palco são mostradas as coisas boas que se fazem legal e administrativamente para o bem estar do povo. Se isso não acontecer haverá sempre o perigo de que algo semelhante à Revolução Francesa venha a acontecer, com cabeças sendo cortadas na guilhotina. Ao final fiquei com uma pergunta não respondida. Resolvi consultar o santo. Feita a ligação perguntei-lhe: “Santo Agostinho, meu querido mestre: se são as quadrilhas de ladrões que têm o poder, se são as quadrilhas de ladrões que estabelecem as leis, se não há esperança de que elas, as quadrilhas, voluntariamente, abram mão do poder e mudem as leis, o que é que pode ser feito para se ter um governo justo?” Do outro mundo o santo me respondeu: “Meu filho, você não leu o meu texto com atenção. Lá está explicada a origem da corrupção: Se, pela inércia dos homens fracos este mal cresce ao ponto de se apropriar de lugares... Perdoe-me a palavra que vou usar, tão a gosto dos brasileiros, e tão estranha no meu mundo, o mundo da teologia: esse mal cresceu porque vocês, povo do Brasil, são uns bananas...” Com essas palavras ele desligou o telefone.

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