Sistema de computador pode construir um quadro narrativo da vida de uma pessoa para a posteridade.
Com que frequência você gostaria de falar com alguém que já morreu? Quantas perguntas você adoraria fazer a seus entes queridos que partiram? Graças à tecnologia, a oportunidade para fazer isso não está tão distante.
Grande parte de nossas vidas já é armazenada na internet – não só em e-mails e documentos que escrevemos, mas em nossas fotos e vídeos, que compartilhamos em sites como o Facebook, Flickr e YouTube. Companhias como a Microsoft, Google e Vodafone oferecem espaço de armazenamento livre em troca dos nossos dados; acessando nossas memórias, gostos e registros. Mas o que acontece com tudo isso quando morremos?
Um projeto financiado pela Comissão Europeia chamado Companions, que eu coordenei durante seus dois primeiros anos e agora está chegando ao fim, criou um programa de computador teste chamado “Senior Companion”: um agente de conversa projetado para interagir com uma pessoa por um longo período, descobrindo seus gostos e hábitos. Por enquanto, isso seria mais adequado para pessoas idosas, que moram sozinhas e querem companhia, e que precisam ser lembradas da hora de tomar o remédio, por exemplo. Ele também poderia, entretanto, ajudar a construir um quadro narrativo da vida de uma pessoa para a posteridade.
No momento, só as pessoas com talento, recursos e tempo livre tendem a escrever autobiografias. Mas, se o projeto Companions ou seus sucessores funcionarem, podemos ser capazes de reunir alum tipo de autobiografia para nossos filhos. Os idosos normalmente possuem um monte de fotos antigas; logo essas imagens serão digitais. O “Senior Companion” começa perguntando ao seu proprietário quem é que está em cada foto, onde ela foi tirada e qual é a sua importância. Dessa forma, o programa pode guardar uma série de memórias mesmo depois que o dono partiu.
Isso pode parecer um projeto futurista, mas os japoneses já mostraram que existe um mercado para dispositivos surpreendentemente primitivos desse tipo se eles conseguirem atingir um nível aceitável de naturalidade de voz e modos. A base técnica para os programas Companion é uma área de pesquisa chamada “aprendizado de máquina”: a capacidade de um computador aprender, dentro de limites, coisas que não sabia antes. Um exemplo bem sucedido disso é a tecnologia de reconhecimento de voz: o iPad, por exemplo, agora vem com um software que faz a transcrição quase que completa de voz para texto.
O mesmo processo permitiria ao Companion imitar a voz de seu dono. A insistência de Stephen Hawkings de manter sua voz eletrônica de 20 anos mascarou os grandes avanços feitos nesse terreno. Os sistemas de navegação via satélite para carros, por exemplo, oferecem uma ampla variedade de vozes artificiais plausíveis com uma série de sotaques. Depois de anos questionando sobre a vida de seu dono, um Companion com certeza produziria uma aproximação convincente de sua voz. Ele também teria acesso a um conjunto imenso de imagens, e-mails e documentos que criariam um quadro detalhado da história de vida de seu dono. A partir disso, não é difícil imaginar um Companion continuar, depois da morte de seu dono, a responder perguntas sobre a vida dele – com sua própria voz.
Ray Kurzweil, pioneiro da computação que construiu a primeira máquina de escrever que reconhecia voz, está dedicando sua velhice a produtos para a saúde para que ele possa viver o suficiente para se beneficiar do que ele acredita que será o próximo grande avanço técnico: a reprodução de cada célula do cérebro humano num computador, ou “in silico”, como ele diz. Um Companion que simulasse uma pessoa morta seria bem menos radical que isso: ele poderia imitar o comportamento, mas não teria nenhuma ligação com nenhuma estrutura do cérebro ou do corpo da pessoa que partiu. Não seria nada além, talvez, de uma forma computadorizada e atualizada dos vídeos de adeus feitos pelos mortos que agora são mostrados em seus enterros, ou em alguns túmulos modernos, que, em vez de ter um memorial na pedra, têm um vídeo que funciona com energia solar e é ativado por um interruptor.
Já existem quatro grandes tipos de sites dedicados aos mortos: sites de memorial e homenagem criados para os que já partiram; “caixas fechadas” de bens e segredos para sobreviventes que protegem os interesses do indivíduo depois de sua morte; sites de “legado” contendo os últimos desejos e e-mails para serem revelados ou enviados depois da morte de um indivíduo; e sites de “história da vida” que administram material autobiográfico para um criador individual, para deixar algum tipo de auto-apresentação da vida da pessoa.
Dado tudo o que já existe, então, devemos com certeza começar a ver dispositivos como o Companion nos próximos anos. Alguns podem achar que o programa que assume a voz e a imagem do morto na tela é uma forma inaceitável de “imortalidade”. Mas parece inevitável que, no futuro, os mortos falem – então vale a pena considerar qual formato que essa conversa deve ter.
(Yorick Wilks é pesquisador sênior do Oxfort Internet Institute.)
Tradução: Eloise De Vylder
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário será exibido após aprovado pelo moderador. Aceitamos todas as críticas, menos ofensas pessoais sem a devida identificação do autor. Obrigado pela visita.