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domingo, 13 de dezembro de 2009

O PT e o extravio ético.

Revista Espaço Acadêmico – Nº 68 - Janeiro 2007- Mensal - Ano VI Por PAULO DENISAR FRAGA Professor do Departamento de Filosofia e Psicologia da Unijuí, RS. O senso comum ideologicamente consumado, vendido pela hipocrisia midiática e aceito passivamente pela média do senso “crítico” da inteligência petista, considera que o principal extravio do PT nos últimos anos foi o da ética na política. Não supõe, por certo, que este extravio tenha outro – mais grave – por pressuposto: o comprometimento organizativo e programático institucionalista, coetâneo do afastamento do PT de sua base social ativa e de seus compromissos históricos de classe. Por isso, alguns imaginam que o PT carece apenas de algo como um “resgate” ou “choque de ética”, quando, na verdade, desde antes da débâcle moral, a ostentação do discurso centrado na ética na política (virtude administrativa) já era, ela mesma, uma retórica substitutiva ideologicamente rebaixada, que refletia o desbotamento do ideário socialista transformador do partido. O discurso autonomizado da ética na política, apartado de um compromisso programático anti-capitalista, não é suficiente para indicar o confronto com a relação anti-ética fundamental da sociedade moderna, que está sacramentada em quase todas as constituições e na ideologia dominante, que é a da exploração do trabalho pelo capital. Ora, qualquer governo de direita que seja sério em sua formação ideológica e política, pode, a rigor, ser tanto ou mais ético com a coisa pública do que certos governos de esquerda. O que não quer dizer que traga a mínima contribuição para suprimir a relação anti-ética par excelence do capitalismo, na qual o trabalhador nunca passa de um meio para o fim que é a acumulação privada do capital. Esta distinção implica na questão ética decisiva para todo e qualquer partido que aspire à dignidade de se considerar de esquerda. Logo, a ética administrativa da política não é a principal diferença entre a esquerda e a direita. Como tal, ela só denota a sua própria natureza, qual seja, a visão institucionalista da política, onde a disputa por espaços no stablishment se torna o interesse predominante, que engana a prioridade das necessidades sociais. Desde a crise do Leste ou do socialismo real, o PT passou, majoritariamente, a revisar suas posições socialistas rumo ao centrismo político. Tanto que a perspectiva de um novo Estado de bem-estar é o máximo que a intervenção petista passou, em geral, a propugnar. Não se trata de uma discussão entre tática e estratégia, nem entre projeto ideal e presente possível. Tratam-se de dois passos atrás sem visar um passo à frente. A ótica que o filósofo Alain Badiou chamou de “ideologia ética contemporânea” passou a ver, não mais nas forças da opressão de classe, mas nas próprias tentativas emancipatórias dos oprimidos, a verdadeira fonte do mal, protótipos de sistemas autoritários. A linguagem alternativa da emancipação foi substituída pela linguagem tradicional da política, requentada do palavrório dos inimigos de classe de antes. Conceitos como revolução socialista, luta de classes e superação do Estado cederam lugar – supostamente em nome da liberdade e do pluralismo – aos fetiches da cidadania universal e da democratização “infinita” do Estado. O fácil e politicamente rentável abandono da reflexão séria sobre a dialética contrabandearam para o ideário petista um certo neokantismo conservador, que desaprendeu grandemente a pensar a ética no interior do irrevogável cenário dos sujeitos sociais em luta, preferindo, muitas vezes, resolvê-la pela pregação de valores morais. Não há dúvida de que o valor da solidariedade, por exemplo, seja importante. Mas o egoísmo e a violência não denotam um “defeito” humano a ser moralmente corrigido. Denotam formas de ser e de sobreviver típicas de um mundo em que o reconhecimento social se baseia na dominação e não em relações livres entre os homens. Por isso, compreender por que os homens agem como agem é uma questão radicalmente anterior ao superficialismo de recomendar-lhes máximas sobre como devem agir. Nesse cenário, a ética na política pode ser um valor salutar. Mas daí a dar crédito e vender a ilusão de que existe uma ética “exemplarista” do agir capaz de universalizar-se no seio de uma vida social de agudas desigualdades – como se houvesse uma esfera moral que pairasse acima desses condicionamentos –, já é uma atitude que está mais para os jogos retóricos do que para a realidade. Guardadas as devidas proporções, é por tais meandros que, venha de quem vier, e seja contra quem for, o discurso meramente moralista sobre a corrupção é uma tese de direita. O lacerdismo, o janismo e as páginas de periódicos como a Veja o ilustram fartamente. Contra suas próprias convicções majoritárias, o PT experimentou toda a dureza dessa verdade em 2006. Quando viu arruinada a pretensa superioridade do discurso da ética na política, com Alckmin se apropriando da antiga máxima das campanhas petistas (“Por um Brasil decente”), Lula se viu obrigado a retomar o acento do discurso social de classe – uma ironia da história política do PT, mas que os pobres não tiveram dificuldade de compreender. Resta saber até que ponto a inteligência do PT e o próprio Lula extrairão as conseqüências teóricas e políticas necessárias do teor dessa clara e viva lição social. O extravio ético capital do PT não foi o gerencial-administrativo de alguns grupos ou figuras. Foi o extravio do que lhe competia eticamente no plano programático, em seu compromisso radical com os oprimidos, o que refreou seu papel na luta pela igualdade social e econômica. Um partido com forte origem nos mundos do trabalho e dos movimentos sociais tornou-se progressivamente refém das peias do poder. O vértice de sua força política desloca-se da pressão pela mobilização social para os jogos institucionais “pelo alto”, onde a política adquire muito mais facilmente as cores de um negócio privado do que de um meio para a disputa com vistas à justiça social. Em tais limites, a refundação ética centrada apenas no plano comportamental-administrativo soa como um purismo que seria ingênuo caso não fosse ideologicamente pensado.

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