Nunca antes na história desse país a cena político-policial oferecera à platéia uma atmosfera tão didática.
Correm em paralelo dois inquéritos. Um em Brasília. Outro em São Paulo. Ambos tratam da distribuição de panetone$. Só que em lados diferentes do balcão.
O inquérito brasiliense ilumina os bolsos, as bolsas, as meias e as cuecas da clientela – no caso, o ‘demo’ Arruda e Cia..
A investigação paulista joga luz sobre a logomarca de um provedor de peso. No caso, a Camargo Corrêa.
A empreiteira de São Paulo não borrifou farinha na panificadora de Brasília. Mas o exame separado dos dois casos prejudica a compreensão do todo.
São manifestações de um mesmo fenômeno: a perversão que une os fornecedores do Estado aos gestores das arcas públicas e seus braços legislativos.
Uns não existem sem os outros, eis o que se deseja realçar. Está-se diante de um monstro que reclama ataque conjunto.
No lado brasiliense do balcão, a presença de uma câmera de filmadora tornou explícito tudo o que era insinuado.
No lado paulista, não há imagens. Ali, recolheram-se apenas planilhas e um pendrive prenhe de nomes e de cifras.
Os repórteres Mario Cesar Carvalho e Lilian Christofoletti informam que a lista dos que se alimentaram dos panetone$ da empreiteira anota mais de 200 nomes.
Há congressistas federais, seretários e até conselheiros e ministros de tribunais de contas. Uma megaceia.
A galera dispõe de foro privilegiado. Ou seja, as denúncias do Ministério Público vão às esferas superiores do Judiciário – STF, STJ e tribunais de Justiça estaduais.
É nesse estágio que a encrenca engasga. A ausência de punição adiciona fermento no imenso panetone em que se transformou o Brasil.
O forno só será lacrado no dia em que os panificadores e sua clientela começarem a enxergar um nascer de Sol quadrado.
O diagnóstico é antigo. Foi pronunciado há duas décadas, por Mario Amato, um antigo presidente da Fiesp:
“Todos somos corruptos. Ninguém pode atirar a primeira pedra”, dissera Amato, em timbre de cru realismo.
Ou o Judiciário começa a atirar pedras ou a República, em vez de ser vista como coisa pública, continuará a ser enxergada como cosa nostra.
Escrito por Josias de Souza às 19h26
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