Pequenos espetos, grandes negócios.

Felipe Rabello Gonçalves/GuarulhosWeb - Fotos: Edu Pinto 14/11/2007 16:33 Com um bocado de sorte, quem se aventura a vender espetinhos de churrasco na rua pode conseguir montar um negócio próprio.

Que atire a primeira pedra quem nunca afirmou: "Jamais comeria um espetinho de rua!". Eles podem não ser a iguaria mais saudável da gastronomia nacional, mas quem se importa? Geralmente comercializados em portas de padaria ou de estádios de futebol, os vendedores de espetinhos de carne de boi, porco ou frango contam com clientela fixa. Por outro lado, têm sempre de ficar atentos com o famoso "rapa" - quando um fiscal da prefeitura ou da vigilância sanitária resolvem voltar suas atenções para este tipo de comércio. No entanto, eles sobrevivem, e muitas vezes tão bem que acabam por regularizar sua situação, abrindo negócios próprios em locais próximos aos que já atuavam. É o caso de Ademar Rosa, mais conhecido como Tchê, que fechou sua loja de automóveis devido a problemas financeiros para começar a comercializar espetinhos no Jardim Paraventi em 1999. Após vender bastante no primeiro e no segundo dia - mais de 200 espetos a R$ 1 cada -, verificou uma queda no terceiro dia, um domingo. "Percebi que podia ter um descanso semanal", afirma com bom humor. Nos dias seguintes, porém, o sucesso do negócio retornou. Apesar de se sentir um pouco constrangido no começo, Tchê percebeu que tinha um trabalho novamente. Em seis meses, já gozava de uma boa situação financeira. Com o crescimento do negócio, a fiscalização da prefeitura se intensivou, chegando inclusive a multar os veículos dos clientes, que se aglomeravam na rua e atrapalhavam o trânsito. "Fui fugindo gradualmente dos fiscais. Precisei me deslocar 100 metros, mas andava 10 por dia para não sumir da vista da clientela", diz. Pouco tempo depois, mudou o negócio, que funcionava na calçada, para um galpão em um terreno baldio próximo, mas ainda sem alvará. Como começou a receber multas por causa disso, voltou para a calçada. Não ficou muito tempo, já que resolveu alugar um salão para atender mais clientes, onde está até hoje, pagando R$ 1.700 por mês de aluguel. "Preciso fugir disso", diz Tchê. Para tanto, deverá inaugurar até o final de 2008 uma sede própria, também no Paraventi. "A fiscalização sobre os vendedores de rua é importante, mas não deve ser excessiva, pois alguns deles, se não tiverem mais a possibilidade de fazer esse tipo de comércio, podem virar bandidos", opina Tchê. Um mercado que não pára de crescer "Apenas na região em que atuo, foram abertas quatro lojas de espetinhos nos últimos seis meses", afirma José Antônio, proprietário da Espetinho.com, localizado na avenida Salgado Filho, próximo ao Bosque Maia. Segundo ele, um empreendimento do tipo requer um certo tempo para que os consumidores se acostumem com o produto, já que a confiança sobre itens alimentícios não é algo fácil de ser adquirido. No terreno onde funciona a Espetinho.com estava o restaurante Mimi, também especializado em churrasco. No entanto, o Mimi se mudou neste ano para outro ponto, na avenida Paulo Faccini. "Tenho clientes que freqüentavam o Mimi e que agora passaram para cá. De qualquer modo, a quantidade de pessoas que comem espetinhos hoje em dia é muito grande, inclusive nas barracas de calçada", diz. Antônio revela que a inspeção federal, por parte da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), costuma acontecer duas vezes por ano, em média. "Os fiscais da Prefeitura estiveram aqui há duas semanas", conta. "A avaliação é rigorosa e são verificados todos os processos pelos quais a carne passa antes de ser servida". Para o empresário, o principal motivo que leva uma pessoa a arriscar sua saúde comendo um espetinho de rua, que nem sempre possui a melhor procedência, é o preço: R$ 1,00, em média. "Em locais fechados, esse valor sobe para entre R$ 2,00 e R$ 2,50". Em frente ao HMU Já o ex-empresário Francisco de Assis Gonçalves Filho, o Chiquinho, tem data marcada para sair da rua: fevereiro de 2008. Ele alugou um espaço em frente ao HMU (Hospital Municipal de Urgências), no Bom Clima, próximo ao local onde está atualmente, uma esquina ao lado de um depósito de ferro. Chiquinho tem clientela fixa. Difícil uma noite que sua barraca não fique lotada. Ele começou a vender espetinhos há cerca de cinco anos, após ver três de seus negócios não darem certo. O primeiro foi uma padaria, que vendeu em 1994. Dois anos depois, comprou um caminhão e passou a trabalhar na área de entregas da Telhanorte até 2001, quando decidiu vender o seu e outros veículos, já que começou a trabalhar com compra e venda de caminhões, algo que durou pouco tempo. "Quando pedi ao dono de uma padaria próxima permissão para me instalar no local, em um primeiro momento ele deixou, mas, ao ver o tamanho da barraca, ele mudou de idéia. Minha sorte é que a dona do depósito permitiu que eu ocupasse esquina em frente ao seu negócio", conta Chiquinho. Desde então, o negócio cresceu "fabulosamente". Ele não divulga números, mas revela que terá de dobrar o número de funcionários quando se mudar para o estabelecimento fixo. Por esse motivo, terá de aumentar o preço do espetinho de R$ 1,50 para R$ 2,00 a partir do dia 20 de novembro. "Mesmo com a mudança de preço e de local, tenho certeza de que minha clientela me seguirá". Ele vende atualmente 300 espetinhos por dia e pretende dobrar esse número quando passar para a frente ao HMU. Espetinho e música Os empresários Anderson Nardy Soares e Masterson Luiz Alves, sócios do Espetinhu´s Bar, aberto há cerca de nove meses na avenida Paulo Faccini, tiveram a idéia de juntar duas paixões nacionais, o churrasco e a música. Todos os dias, à exceção das segundas-feiras, quando o estabelecimento não abre, um grupo ou pessoa são convidados para tocar no local. "Esse é um tipo de opção que não existia na cidade", afirma Soares. A clientela do Espetinhus, que costuma deixar o local não antes da 1h da manhã, mesmo durante os dias úteis, demorou um pouco para se acostumar com o local, mas tem aumentado constantemente nos últimos meses. Soares atribui isso a um período natural em que as pessoas se acostumam com um tipo novo de empreendimento. Ao ser questionado sobre a concorrência dos vendedores de espetinho ambulantes, Alves afirmou que, em sua opinião, "não existe" qualquer disputa de mercado, já que ela deve ser considerada por qualquer empresário como um incentivo a trabalhar cada vez mais. "A concorrência está presente em praticamente todos os lugares e é necessária para o consumidor. Você deve simplesmente aproveitar a oportunidade que lhe é dada". A única queixa de Alves é quanto ao tempo para abrir uma empresa na cidade. A documentação necessária para começar a atuar demorou mais de três meses para sair. "O poder público faz muitas exigências. Algumas até exageradas. As áreas úteis de Guarulhos têm muitos donos, o que dificulta a obtenção de documentações. Ninguém se preparou para urbanizar Guarulhos adequadamente", opina. Ambulantes não garantem procedência A reportagem do GuarulhosWeb conversou com um vendedor ambulante de espetinhos que atua na região da Vila Galvão e preferiu não ser identificado. Ele disse que muitos vendedores não seguem os procedimentos higiênicos adequados na hora de manusear os alimentos. "Além disso, não dá pra confiar em todas as carnes que são vendidas. Há muitas pessoas que compram produtos em açougues de qualidade, mas outros só querem saber de ganhar dinheiro". Ao ser questionado se as pessoas não percebem que aquele alimento é ruim, o vendedor afirmou: "Alguns até percebem depois de alguns dias, mas são poucos. A maioria continua comprando por ser um produto mais barato. As pessoas querem economizar em tudo...". Já o ambulante Geraldo Germano dos Santos, que atua na avenida Dr. Timóteo Penteado, começou a vender espetinhos após ser demitido de uma empresa metalúrgica na qual trabalhou por mais de uma década. Como já tinha mais de 40 anos e não conseguiu arranjar outro emprego, resolveu vender churrasco na rua. "É um negócio que, até certo ponto, dá certo", diz. Ele vende churrasquinho há mais de 10 anos e não possui alvará da Prefeitura, mas revela que isso nunca o impediu de trabalhar. "Quase ninguém tem e, como trabalho apenas duas ou três horas por dia, é raro a fiscalização aparecer", afirma. Ele compra a carne em um açougue próximo à sua barraca e garante a procedência do alimento, mas diz também que são muitos os que não se importam com a qualidade do que vendem. Saúde prioriza áreas de maior risco Regina Laudari, diretora do departamento de Higiene e Proteção à Saúde da Secretaria de Saúde de Guarulhos, afirma que as fiscalizações sobre os ambulantes são feitas na medida do possível, já que existem outros locais em que a verificação dos procedimentos é mais urgente, como hospitais. "A prioridade são as áreas em que há um maior risco à saúde envolvido", afirma. Após a Prefeitura dar a autorização para o ambulante, ele deve se dirigir ao Fácil a fim de pegar o alvará sanitário. Neste local, saberá em que região da cidade irá atuar e em qual horário. "No decorrer do ano, fiscalizamos a higiene dos procedimentos e a procedência do produto. Se este estiver em desacordo com as normas, o vendedor pode perder seu alvará", diz. O ambulante também poderá perder a autorização se atuar em um local ou horário diferente daquele previsto. Em um primeiro momento, receberá uma notificação para se adequar à norma. "Se não o fizer, perderá o alvará, mas é bom deixar claro que temos muitos estabelecimentos para fiscalizar", afirma Laudari. São 83, de acordo com informações da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, a grande maioria na região central da cidade. Os informais, contudo, existem em maior número, mas não há dados oficiais sobre a quantidade. O secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico, Yutaka Kanbe, acredita que um fator determinante para a grande quantidade de ambulantes existente é a falta de estabelecimentos que vendam espetinhos. "Na zona industrial, por exemplo, era proibida a instalação de empresas comerciais, o que incentivou o surgimento do comércio informal em Cumbica e nas proximidades", diz. Para ele, há poucos locais de alto padrão na cidade. "Não existem muitos pontos decentes e a economia pode enxergar isso como uma boa oportunidade para se instalar. Os ambulantes não possuem sequer condições sanitárias adequadas para trabalhar. Onde eles lavam as mãos ou resfriam os alimentos? O consumidor é muito corajoso quando compra alimentos em locais sujos. É claro que o fator financeiro influi, mas o barato pode sair caro no caso de ocorrer algum problema de saúde", afirma. A partir do momento em que um determinado tipo de comércio cresce e se torna rentável, a conseqüência natural é ver sua evolução. "Não dá para ficar 30 anos em uma barraca, tampouco passá-la para os filhos e netos", diz o secretário. Ele aponta que os vendedores de rua poderiam buscar apoio no Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) ou na Secretaria Municipal do Trabalho que oferece programas específicos para auxiliar a criação de Micro e Pequenas Empresas (MPEs). "O excesso de pessoas no setor informal sobrecarrega os formais, que acabam por pagar mais impostos para sustentar os que não pagam", finaliza.