Diz o brocardo que não adianta chorar pelo leite derramado. O que está feito está feito. E nada vai desfazer.
No caso brasileiro, significa que não se deve ficar lamentando as transgressões cometidas na cozinha do poder.
Veja-se o episódio dos superpassaportes. Cinco filhos e três netos de Lula receberam o livrinho do Itamaraty.
O noticiário mostrou o leite no assoalho. Celso Amorim sumiu. A OAB gritou. A Procuradoria ameaçou. Lula se esquivou.
Premida pelo alarido, Dilma concluiu que precisava reagir. Entre fazer boca de nojo e encenar uma pantomima, optou pela segunda alternativa.
Baixou um decreto alterando as regras para a emissão de passaportes. As excepcionalidades continuam permitidas. Porém...
Porém, agora o copo de leite tem de ser justificado e só pode ser derramado no ‘Diário Oficial da União’.
Provocado no twitter, Marcos Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do ex-soberano, prometera devolver o passaporte especial.
Já lá se vão mais de trinca dias. E nada. Nem Marcos nem os irmãos dele. Muito menos os netos de Lula. Ninguém devolveu coisa nenhuma.
Celso Amorim continua sumido. A OAB silenciou. A Procuradoria demora a procurar. Lula ainda não disse palavra.
Fica entendido, uma vez mais: acima de um determinado nível hierárquico, nenhum leite derramado deve ser castigado.
Os mais cínicos afirmam que, no grande boteco em que se converteu o Brasil, líquidos bem mais graves do que o leite já foram derramados.
Um desavisado poderia perguntar: você confiaria uma bandeja com um copo de leite a um barman capaz de se lambuzar por um privilégio reles?
Ninguém se anima a perguntar nada porque já não há desavisados no país. Todo mundo sabe quem derrama o leite.
Não se constrói uma cleptocracia como a brasileira chorando pelo leite derramado. Um empreendimento assim exige o cultivo do hábito de deixar tudo eternamente pra lá.
Escrito por Josias de Souza
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