Documentos oficiais produzidos pelo governo durante a gestão Lula reforçam a acusação de José Serra (PSDB) contra o governo da Bolívia.
O presidenciável tucano acusou o governo boliviano, na última quarta-feira, de ser “cúmplice” dos traficantes que enviam cocaína para o Brasil.
Em reação, a rival petista Dilma Rousseff disse que Serra “demoniza” a Bolívia. Mas os dados colecionados pelo governo como que corroboram Serra.
Sob o compromisso do anonimato, uma autoridade da Divisão de Controle de Produtos Químicos da Polícia Federal falou à Folha sobre o tema.
Disse que relatórios oficiais da PF informam que 80% da cocaína distribuída no país vem da Bolívia. A maior parte na forma de “pasta”. O refino é feito no Brasil.
Serra falara em algo entre “80% e 90%”. Para a PF, a evolução do tráfico revela que há “leniência” do governo boliviano. Serra usara expressão análoga: “Corpo Mole”.
A PF atribui o fenômeno a aspectos culturais, não a má-fé. A autoridade que falou à reportagem lembrou que o cultivo da folha de coca é legal na Bolívia.
O produto é utilizado de várias maneiras –de rituais indígenas à produção de medicamentos. O problema é que o excedente abastece o tráfico.
A encrenca é mencionada também em relatórios e troca de correspondências do Itamaraty. Um resumo da visão brasileira foi repassado à Câmara em 2007.
Num documento de 11 páginas endereçado à Comissão de Relações Exteriores, foram abordados os contenciosos do Brasil com a Bolívia. Entre eles a droga.
O texto é uma resposta a requerimento feito pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE). Anota: “Entre 2005 e 2006, a área de produção de folha de coca na Bolívia cresceu de 24.400 para 27.500 hectares”.
Informa que, sob Morales, adotou-se política dicotômica: combater o narcotráfico, mas “valorizar” a folha de coca.
Acrescenta: “A Bolívia foi suspensa, em julho de 2007, do Grupo Egmont”, entidade que reúne órgãos de inteligência de 105 países. Dedica-se à repressão da lavagem de dinheiro e do terrorismo.
Segundo o Itamaraty, foi à Bolívia uma delegação de brasileiros e chilenos. Reuniram-se com autoridades locais em junho de 2007. “Sem resultado”, diz o texto.
Sob Lula realizou-se um esforço para reativar, também sem sucesso, as comissões mistas antidrogas Brasil-Bolívia.
Em setembro de 2008, o Itamaraty enviou à Câmara outro relatório, uma atualização do primeiro. De novo, 11 páginas. Assina o documento chanceler Celso Amorim.
No tópico relacionado às drogas, Amorim escreve: a ONU "divulgou relatório que indica aumento na produção de coca na Bolívia pelo quinto ano consecutivo".
Menciona uma evolução: a Bolívia "tem buscado reforçar sua imagem de país comprometido com a luta contra o narcotráfico ('Cocaína cero')..."
Mas ressalva: "...Ainda que mantenha sua política da valorização da folha de coca como expressão do patrimônio cultural".
No mês seguinte, outubro de 2008, Morales expulsou da Bolívia os cerca de 20 agentes do departamento antidrogas dos EUA que auxiliavam no combate ao tráfico.
O pretexto foi a acusação de que o DEA (Drug Enforcement Administration, na sigla em inglês) realizava operações de espionagem contra o governo boliviano.
A Bolívia firmaria, dois meses depois, um acordo com o Brasil. Previa que a Polícia Federal passaria a atuar na Bolívia no combate ao tráfico de cocaína e de armas.
De acordo com a PF, o acordo esbarra até hoje em entraves financeiros. La Paz deseja que Brasília arque com os custos.
- Em tempo: O texto acima foi veiculado na Folha deste domingo, em versão resumida.
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