Por que existe tanta corrupção no Brasil? Essa é uma questão que os brasileiros se fazem ou deveriam se fazer, afinal vivemos num dos países mais corruptos do mundo. Os motivos de tanta corrupção são variados: pode decorrer da debilidade das instituições; da baixa consciência política dos cidadãos; da inidoneidade dos políticos; da impunidade. Todavia, entre os motivos aqui citados, os quais não são exaustivos nem excludentes, por certo o mais nocivo é o da impunidade. É ele o principal meio de retroalimentação da corrupção.
Para tentar coibir a corrupção, são necessários alguns instrumentos legais. Para lutar por esse intuito, organizações como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ( CNBB ) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral ( MCCE ), mobilizaram a sociedade civil para pleitear a aprovação da lei da Ficha Limpa. O objetivo dessa lei é modesto, mas bem acertado. Modesto porque busca principalmente evitar que políticos condenados judicialmente se candidatem. Acertado, pois almeja cortar o mal pela raiz.
Nada obstante, a lei da Ficha Limpa sancionada em 4 de junho de 2010 já sofre sua primeira derrota. O então senador Heráclito Fortes (DEM-PI) - condenado pelo Tribunal de Justiça do Piauí por conduta lesiva ao patrimônio público - conseguiu liminar suspendendo os efeitos da referida lei junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), a qual foi concedida pelo ministro Gilmar Mendes. Isso não só possibilita que ele se candidate novamente, mas abre precedentes para futuras contestações à lei da Ficha Limpa.
Vitória popular questionada
A lei da Ficha Limpa é de iniciativa popular, ou seja, uma vitória dos brasileiros contra a corrupção eleitoral. A aprovação dela só foi possível devido ao grau de exposição pública que o tema ganhou na mídia, sobretudo na internet. Dessa forma, os parlamentares pensaram no desgaste político possível, caso não aprovassem um projeto com mais de 1,6 milhão de assinaturas de apoio. Com a aprovação da lei da Ficha Limpa, espera-se que corruptos contumazes não entrem na cena política.
Contudo, não é fácil afastá-los quando ainda existem estruturas políticas, jurídicas, econômicas e midiáticas coniventes com a corrupção. Por exemplo: a citada medida concedida pelo ministro do STF evidencia que essa instituição ou alguns de seus membros podem ser cúmplices de práticas de corrupção. Caso fosse o contrário, por que não houve até então nenhuma expressiva manifestação de repúdio à acintosa medida do ministro Gilmar Mendes?
Os argumentos jurídicos erigidos para garantir os direitos individuais de certas pessoas - por exemplo, o de ilustres políticos - nem de longe se assemelham à orfandade jurídica da maioria dos brasileiros. Dessa forma, o sistema judicial, em vez de se firmar como poder independente para o alcance de justiça universal, torna-se uma estrutura cooptada que favorece sobremaneira distintos grupos e pessoas. Assim, a lei da Ficha Limpa encontra obstáculos onde deveria ter maior proteção.
Dificilmente haverá uma lei ou conjunto delas capaz de abranger os inúmeros motivos da corrupção. Mesmo assim, caso as poucas leis anticorrupção brasileiras existentes fossem aplicadas com transparência, integridade e imparcialidade, muito poderia ser feito para mitigar o problema. Todavia, o que se vê é o uso casuístico de medidas judiciais para burlar as leis, as quais deixam diversos políticos corruptos incólumes. O nome apropriado para isso é impunidade, não garantia de direitos individuais.
A lei da Ficha Limpa não tem pretensão de revolucionar o nosso sistema político, mas impedir que corruptos continuem livremente se locupletando com recursos públicos. O seu escopo não é punitivo, porém preventivo e moralizador. Ela privilegia a honestidade, isto é, o respeito às normas e às instituições públicas por parte dos candidatos a representantes públicos. O desprezo à Ficha Limpa só mostra o quanto vivemos numa sociedade hierárquica e repleta de privilégios
O ato de um ministro do STF possibilitando a candidatura de um político já condenado por corrupção não é mera exceção à lei da Ficha Limpa, mas pleno desrespeito ao interesse de milhões de brasileiros que repudiam a corrupção. Na verdade, ele é prova de como é simples escapar das leis quando se tem poder e influência. Assim, enquanto persistir a impunidade de ilustres, a lei da Ficha Limpa pode até empurrar algumas sujeiras para debaixo do tapete, mas jamais limpará verdadeiramente o sistema político brasileiro.
Alexandre Pereira Rocha é cientista político.
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